Apelido, nem pensar! por João Carlos Machado Filho*
Quase no final dos anos 40, São Gabriel era uma cidade pacata, poucos habitantes e visitantes que chegavam pelo trem da Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Quem chegava ou saia da cidade, passava pela Ponte Seca, um viaduto que permitia a passagem dos trilhos sobre a Rua General Marques.
Ficou famosa uma casa comercial, um armarinho, como se dizia naquela época, cujo nome era “O Barulho da Ponte”, uma referência clara ao barulho provocado pelas rodas de aço dos trens sobre os trilhos.
Logo após a Ponte Seca, começava a Rua Francisco Hermenegildo da Silva, onde estava o 9º Regimento de Cavalaria e onde serviu meu pai, que morreu coronel do glorioso Exército Brasileiro e que, naquela época, acho que era subtenente.
Quando meu pai servia no 9º, todos os oficiais, os mais graduados, tinham direito a um ordenança, um soldado que cuidava dos cavalos que atendiam aos militares. Cada oficial tinha seu ordenança, que passava o dia cuidando do cavalo que seria entregue ao chefe no final do expediente.
Não precisa pensar muito para imaginar um bando de ‘milicos’, alguns da cidade, muito mais malandros, outros vindos do interior, muito mais tímidos. O pessoal da cidade, mais metido, botava apelido em todos os soldadinhos que ‘sentavam praça’. Era tanto apelido, que a coisa começou a provocar brigas.
O comandante, Coronel Prates, resolveu tomar uma atitude e determinou que, ao final do expediente, todos os soldados, cabos, sargentos e oficiais estivessem no pátio do 9º Regimento de Cavalaria para um assunto de urgência.
Cinco da tarde e todos lá, já que ordem de comandante não se discute.
-Tropa sob meu comando – gritou o coronel. Tenho uma comunicação importante para fazer. Aliás, não é uma comunicação, é uma ordem. A partir de hoje, não quero ouvir ninguém mais chamar algum colega pelo apelido aqui no Regimento. Aquele que chamar alguém pelo apelido, será sumariamente preso e ficará três dias na cadeia.
Esperou um pouco, bateu com o relho na bota de cano alto olhou para a tropa perfilada e prosseguiu:
-Se alguém tem algo a dizer, por favor fale agora.
Diante do silêncio geral, concluiu:
-Que fique bem claro, então, que quem chamar o companheiro por apelido, a partir de agora, será recolhido e preso.
Imediatamente, peito estufado pela convicção do dever cumprido, virou para seu ordenança e gritou:
-Jacaré, traz o meu cavalo!
*Machado Filho é jornalista, apresentador do Programa Consumidor em Pauta-TVE