Criei fama de ter boa memória. Bondade dos amigos. Minha memória até que é bem acima da média – embora só há pouco tenha me dado conta disso – e talvez por isso mesmo não tenha causado em mim o deslumbramento que muitas vezes causa nos outros. Primeiro, porque sempre achei que memória não é um dom, apenas uma capacidade de saber organizar datas, ideias, projetos e sugestões. Logo, algo acessível a qualquer um. Segundo, porque sempre dei à memória o tratamento que ela merece: minha desconfiança – e daí criei uma segunda fama: a de guardar papéis, jornais, revistas, discos, gravações e qualquer outro material que julgue que um dia poderá me ser útil. Isso fez com que meu quarto (quando ainda morava com meus pais) e minhas casas se transformassem em museus dos ácaros.

“Difícil não é escrever, difícil é tomar nota”. Captei essa citação agora (de cabeça) para me socorrer. É do Ivan Lessa e diz muito sobre a atividade que exerço. Acredito que o jornalismo – ainda que focado em dados atuais e, muitas vezes, em prognósticos – não pode dispensar a memória. Ainda me espanta o desconhecimento de muitas pessoas sobre fatos que aconteceram logo ali, numa das primeiras curvas da memória, seja com personagens importantes (são pouco os que ainda se lembram de Luiz Carlos Prestes, Richard Nixon, Farrah Fawcett, Sandra Bréa ou Johann Cruyff), quanto de figuras efêmeras (que fim levou a freirinha de Goioerê? Aquela, para quem não lembra, que trocou de lugar com um sequestrado no interior do Paraná e, meses depois, conseguiu ser recebida pelo Papa).

“O Brasil é um país que a cada 15 anos esquece o que foi feito 15 anos antes”. Essa é outra citação (igualmente do Ivan Lessa) que também recupero (de cabeça) para comentar uma meia-verdade. O Brasil, de fato, é desmemoriado, mas não é um caso isolado. A amnésia é algo quase universal. E antes que me acusem de saudosista ou de ligado apenas em cultura inútil (ah, disso me acusam bastante e até já tenho uma resposta-pergunta pronta: “afinal, o que é cultura útil?”) saco derradeiramente uma citação que talvez justifique tudo o que já escrevi até agora: “A experiência com fatos acontecidos pode ter a mesma utilidade que um carro com faróis voltados para trás” – essa é do Pedro Nava.

*Márcio Pinheiro é jornalista e escritor

 

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